segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A morte

Tenho assistido a mortes turbulentas em que a natureza só se entrega depois de um combate onde lançou todos os seus recursos; outras, tão serenas que mais parecem um suave adormecer.
Seja qual for o modelo, o que me impressiona mais é a morte em si. Que mistério!
Há quem procure desdramatizar dizendo, com algum cinismo: acabou-se a corda. Mas quem aceita ser um boneco a que se deu corda para 100 anos ou para 8 dias? Por isso sempre se procuraram explicações. Uns contentam-se com a persistência do nome; outros com a reencarnação ou a fusão impessoal no universo. Até cristãos, talvez por vaga influência platónica, descansam com o regresso do corpo à terra enquanto a alma se liberta e volta para o céu (das ideias).
É evidente que, no mundo, tudo acaba por morrer; o grande equilíbrio universal inclui a morte. Os próprios animais estão ao serviço da espécie e assim, cumprida essa missão, morrem sem drama. Para o ser humano não é assim, não se aceita simplesmente desaparecer.
A meu ver não há nenhuma explicação para a morte. Mas há melhor: para quem aceita a revelação de Jesus, a morte foi tragada pela Vida. Todo aquele que se compromete pelo caminho traçado por esse Homem que é a Vida, ainda que tenha morrido viverá para sempre.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Pobres

“Ninguém entra no céu sem uma carta de recomendação dos pobres”
Desconheço o autor da sentença mas reconheço que ela é certeira e abre campo à inteligência de muitas passagens do Evangelho.
Certo é que Jesus nunca condenou a riqueza, em si, nem os ricos. Mas também é verdade que sublinhou fortemente a dificuldade, acrescida para os ricos, de alcançar o reino de Deus. “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha”. À letra, seria impossível.
Qual será então a razão de tão grande dificuldade em conciliar riqueza e reino de Deus?
Diria que a posse de muitos bens cria uma espécie de muralha que impede o contacto com os diferentes que são os pobres. Para lá dessa muralha não se vê o que incomoda nem se ouve o grito dos infelizes.
O Senhor, pelo contrário, viu, e ouviu o grito do povo escravizado no Egipto. É um Deus próximo particularmente dos que sofrem; não há barreira que o isole, faz-se pobre e pequenino a fim de estar com os pobres e os pequeninos.
O rico criticado pelo Evangelho dificilmente ultrapassa o muro que o isola dos pobres. Poderá dar grandes esmolas mas de longe, não suja as mãos. O seu mundo é o mundo dos iguais que o adulam, lhe mentem com elogios e justificam as suas opções egoístas.
O Salmo é impiedoso: «O homem que vive na opulência e não reflecte é semelhante aos animais que se abatem».

A verdadeira grandeza

“Mais alto, mais rápido, mais longe” – é o lema dos Jogos Olímpicos. Na Grécia antiga, nos jogos olímpicos, e noutros semelhantes, o prémio era uma coroa de louros; agora as medalhas são respectivamente de ouro, de prata ou de bronze. Mas talvez o mais estímulo seja o preço em dólares do melhor nadador, do campeão da maratona, do melhor saltador, enfim do melhor atleta, ou seja quanto ganha, não só pelo feito desportivo mas pela marca que leva nas sapatilhas ou nas costas.
De modo semelhante na vida quotidiana nos propõem metas a partir das quais se classificam os indivíduos: os mais poderosos, os mais ricos, os mais aptos, os mais inteligentes, etc. sem falar do mais disparatado livro que é o Guiness. Aí se coleccionam os máximos mais incríveis: o que mais conseguiu comer ou beber, o maior bolo, o que aguentou mais tempo a dançar ou a beijar, e por aí fora.
A grande revolução foi operada pelo Pobre de Nazaré. Queriam saber os discípulos quem era o mais importante. A resposta de Jesus foi colocar no meio uma criança e proclamar: Esta é que é a maior! E quem quiser ser grande no meu Reino tem que mudar de critério pois só quem se tornar simples como esta criança poderá ser nele admitido.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eclesiastes

É fascinante a leitura do livro chamado do Eclesiastes ou Qohélet.
Pessimista? Sem dúvida, mas é sobretudo a reflexão de um Sábio sobre a brevidade da vida e a caducidade de todos as coisas. “Apliquei-me a estudar e a explorar todas as coisas que sucedem debaixo do céu. E achei que tudo é ilusão e correr atrás do vento.”
Para o Eclesiastes, o tempo não mede a sucessão dos acontecimentos; é qualquer coisa de arbitrário, uma espécie de roleta que nos diz que tudo o que é, já foi, nada de novo debaixo do sol. É claro que a morte, nesta perspectiva, não tem qualquer sentido. Quebra-se o círculo simplesmente. O que não impede a belíssima descrição do fim:
Quando se acorda com o piar de um pássaro e emudecem as canções / Então também haverá o medo das subidas […] Antes que se quebre a bilha na fonte, / e se desenrole a roldana sobre a cisterna […] Então o pó voltará à terra donde saiu / e o espírito voltará para Deus que o concedeu ./ Ilusão das ilusões.”
Este Sábio parece ainda prisioneiro da visão dos povos que não beneficiaram da revelação do Amor que cria para o amor. Para estes o tempo é circular, tudo volta ao início, não há verdadeiro progresso nem novidade.
Para os israelitas, considerados os inventores da História, e mais ainda para os cristãos, o tempo é um vector, teve um início e terá um fim. Pode-se aprender com o passado e assim é lícito dizer que a História é mestra da vida. Mas, ao oposto das expressões do Eclesiastes, nada se repete; cada momento é um marco em ordem ao termo.
Assim sendo, cada um é responsável pelo futuro. No dizer de Teilhard de Chardin, Cristo é o ponto ómega, para onde tudo converge.

domingo, 5 de julho de 2009

Amo-te

Dizer a alguém “Amo-te” é uma aventura. A resposta pode ser não, pode ser a indiferença ou pode ser sim. Quando é sim, então começa nova aventura mas, desta vez, a dois. Aquele que tomou a iniciativa, na verdade nunca é o primeiro. Antes teve que ser misteriosamente atraído; tem que ser ele a dar o primeiro sim.
Com Deus passa-se algo semelhante mas radicalmente diferente. Ele é que é verdadeiramente o primeiro pois nada o poderia atrair.
Disse-o de muitas maneiras já no Antigo Testamento: amei-te desde o seio de tua mãe; amei-te quando me eras infiel…
Mas claramente, só o disse no Novo Testamento, pelo Filho. Antes que o mundo existisse eu te amei pois foi no amor que criei o mundo e no mundo te chamei à vida.
No princípio do princípio era o Amor. A grande aventura em que Deus se comprometeu foi colocar na existência uma criatura capaz de recusar o Amor. Posso dizer não; posso dizer sim e ser infiel…mas posso também dizer sim, apaixonar-me e dar quanto tenho e quanto sou.
Afinal é só uma restituição: tudo me foi dado, até o poder dizer sim ou não. E apesar de todos os meus nãos, Ele será sempre o Sim que não se arrepende.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O silêncio de Deus

Quando os amigos desaparecem e a tristeza me invade, quando a nada me posso agarrar e falta o pé, quando nem Deus corre a socorrer-me, é então que a fé se transforma em grito de angústia: “Meu Deus, porque me abandonaste?” Onde estavas quando chamei por ti?
O evangelista Marcos, como é hábito, coloca a situação num caso concreto. Jesus sobe para um barco com os seus amigos e aproveita a travessia do lago para descansar. Surge então furiosa tempestade que ameaça fazer soçobrar a barca e quem nela navega. Entretanto Jesus dorme tranquilamente, à popa. Não vês que nos perdemos? perguntam aflitos os discípulos. Em lugar de responder, Jesus censura: “Ainda não tendes fé?”
Habituados a estar do lado da salvação, quando os perdidos eram os outros, ainda não sabiam que lhes cabia agora ir ao encontro de quem precisasse de ajuda. Não sabiam, ainda não tinham uma fé adulta.
E eu? Quando poderei afirmar com verdade: “Ainda que os amigos me abandonem, ainda que as ondas do mal se levantem contra mim, nada temerei porque tu estás comigo”. Podes estar a dormir, aparentemente surdo e mudo, impotente. Ainda assim, sei que estás comigo, nada temerei.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Medos

Sempre admirei aquelas pessoas que não têm medo. Pode ser por inconsciência, por insensibilidade ou simplesmente por bravata. Não são essas que eu admiro. Pois há coisas de que sensatamente devemos ter medo: enfrentar animais ferozes sem proveito para ninguém; pôr em risco a própria vida e a dos outros pelo simples prazer de experimentar a orgia da velocidade, isso é temeridade e não me causa qualquer sentimento de admiração.
Mas enfrentar serenamente perigos tremendos por fidelidade ao amor de Deus ou do semelhante, isso é verdadeira e admirável valentia.
Vem isto a propósito do santo que hoje se comemora, o homem para todos os tempos, Thomas More. Humanista, com o que isto significa de cultura universal, encantador chefe de família, íntimo do rei, Chanceler de Inglaterra senhor de todo o poder, abaixo do soberano… só lhe era pedido que assinasse a declaração de nulidade do casamento real. Tão pouca coisa uma assinatura, quase todos os conselheiros o fizeram, poderia tão facilmente encontrar uma justificação…
Mas a consciência, esse cristalino, embora secreto, juíz de todas as decisões, não podia ser ignorado. Impossível fazer a vontade ao rei.
Na belíssima carta que escreveu, da prisão onde aguardava a execução, à filha predilecta, Margarida, podemos encontrar o fundamento de tão serena fortaleza em face da morte:
“Está tranquila minha filha, e não te preocupes comigo. Seja o que for que me aconteça neste mundo, não pode acontecer-me sem que Deus o queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, com toda a certeza, muito bom”.