terça-feira, 24 de junho de 2008

Perder a fé

Perdi a fé… Não é raro ouvir esta declaração, ora com um toque de tristeza, ora com ar de triunfo de alguém que, finalmente, se tornou adulto.
A fé não é um objecto que se perca no autocarro, por exemplo. Se houve verdadeira fé como um acto de confiança que implica mudança radical de orientação da vida, então de duas uma: ou se deixou morrer quando a vida deixou de corresponder ao compromisso inicial; ou se rejeitou numa atitude de revolta contra um Deus que aparentemente foi infiel àquilo que dele se esperava. Ambas as situações acontecem com frequência. Vejamos:

1) A pessoa não tem consciência de ter tomado uma atitude. Parece até que não perdeu nada ou o que perdeu não lhe faz falta. Verifica-se o velho adágio “quem não vive como pensa, acabará por pensar como vive”.

2) Neste caso a pessoa em causa vivia de acordo com a fé que professava. Que aconteceu então? Ainda aqui podemos considerar duas hipóteses

a) Encontrou outro deus mais prático, mais útil. Pode ser algum bem mal adquirido, pode ser o que o Evangelho apelida de “Mamona da iniquidade” (o dinheiro); enfim qualquer relação incompatível com a fé.

b) Mais frequentemente será o resultado de uma desilusão. Perdi um filho num acidente, raptaram a minha filha, uma criança; os milhões de crianças que morrem à fome; os massacres, as violações em massa de mulheres e criança, etc., (um imenso e pavoroso etc.).
O Evangelho de Lucas apresenta o paradigma desta desilusão numa página de extrema beleza e actualidade (Lc cap.24): aqueles dois discípulos eram fiéis discípulos de Jesus e acreditavam firmemente que Ele seria o Messias que salvaria o povo. Afinal, a própria autoridade religiosa condenou-o à morte infame dos escravos. Impossível que fosse o Messias… Foi preciso que o próprio Jesus lhes fizesse ver que tudo estava na lógica de um Deus que tanto amou os homens que se fez um daqueles que são sempre rejeitados pelos bem instalados do mundo. Onde estava Deus em Auschwitz ? – Estava em cada um dos condenados. Onde está Ele no Darfur? – Está em cada criança refugiada que definha à míngua de alimento ou de água.

Sob uma ou outra forma, é inevitável passarmos por esta tentação que consiste sempre na difícil aceitação de um Deus pobre e sem poder, entregue por amor nas mãos dos homens.

1 comentário:

m disse...

lembro-me duma cena no filme 'lions for lambs' quando o personagem do robert redford diz a um aluno que 'as promessas e potencialidades são inconstantes', para dizer que o que somos hoje podemos nao ser amanhã. gosto muito desse velho, do redford e do adagio, pois claro. e o que é inevitavel é encontrarmos mais oportunidades para pensarmos como vivemos do que o contrario.
somos empurrados para a vida adulta sem tempo para fazer as malas (so to speak!)
nao gosto da ideia e custa-me acreditar (podiamos ficar aqui) que alguem respire verdadeiramente a sensaçao de triunfo sobre a constatação de que perdeu a fé. até porque o tornar-se adulto, se tem algo de triunfal, é precisamente no saber conservar a esperança e determinação proprias de uma fe verdadeira, que se teve/tem como o ar nos pulmoes e nao como o cartao de cliente dum supermercado.
o que me parece é que se diz que perdeu a fe, na verdade se perdeu dele proprio, do que foi um dia quando a tinha ou teve e que agora ja nao tem.
procupa-me mais esta facilidade que temos de nos esquecermos de nós proprios e do que queremos ser do que a profundidade da expressao.
é que se a perdeu é porque ja a teve, e mais cedo ou mais tarde ela volta!
a minha fé é diferente da tua e perco-a como às chaves de casa. nao é perde-la, é nao saber dela quando preciso, mas também a encontro quando desisti de procurar ou quando nem sabia se a trazia comigo. seja como for é minha e sei que a tenho...algures...
:)

cha frio um dia destes?